Nota do editor: Este artigo também está disponível em inglês.
A cultura popular brasileira é plural, com grande influência indígena e africana, e repleta de eventos comemorativos, de celebrações de ícones e símbolos folclóricos, danças típicas e músicas tradicionais. Entretanto, a celebração da cultura popular vem perdendo espaço no mundo globalizado atual, trazendo a tona a discussão do papel e importância do patrimônio imaterial como instrumento de preservação da memória cultural de um povo e conhecimento de suas próprias raízes.
Sabendo do valor e importância da cultura popular, as fundadoras do Instituto Mãe Lalu viram nas cirandas e cantigas de roda – poemas e poesias cantados com caráter lúdico, parte da cultura folclórica brasileira – os elementos perfeitos para o desenvolvimento de sua metodologia de aprendizagem, levando em conta o resgate da cultura e a valorização dos elementos pertencentes a comunidade local onde atuam. Localizados em uma área repleta de história e ancestralidade, o projeto pedagógico do Instituto “Vamos Todos Cirandar” tem auxiliado as crianças e adolescentes de Santiago do Iguape-Bahia não somente a desenvolver suas habilidades de leitura e escrita, mas também a compreender e valorizar suas raízes e uma das principais fontes de renda da comunidade – o marisco.
Santiago do Iguape é uma vila de pescadores, marisqueiras e agricultores quilombolas pertencente ao município de Cachoeira, região com enorme grau de ancestralidade e influência africana. Os quilombos, na época da escravatura, eram as comunidades criadas por pessoas negras escravizadas que fugiam em busca de liberdade e resgate da cosmovisão africana. Hoje são espaços de resistência e subexistência de seus descendentes.
Aurelina Souza dos Santos é parte desta história de luta e resistência. Nascida em 1913, beirando o Rio Paraguaçu e seus mangues, Aurelina, mais conhecida como Mãe Lalu, se tornou uma educadora popular que semeou o valor da educação na comunidade e que sonhava em construir um espaço de aprendizagem para todas as crianças da vila e dos quilombos próximos. Ela queria não somente garantir o acesso à educação de qualidade para essas crianças, mas também alimentar seus sonhos, enaltecendo a diversidade, riqueza cultural e capacidade humana presente naquele lugar. Mãe Lalu, que faleceu em 2011, foi uma verdadeira inspiração para toda a comunidade do Iguape, em especial sua família. Suas netas, quase todas professoras, seguiram seus passos e sonhos e materializaram em 2020 o Instituto Mãe Lalu.
“Converse com seus alunos, procure saber o sonho de cada um e alimente o sonho deles.”
Mãe LaluSempre em roda, simbolizando a união, escuta e o poder de algo que não tem início ou fim, o Insitituto Mãe Lalu promove experiências e vivências de aprendizagem à crianças e adolescentes, trazendo como eixo temático e recurso didático as cantigas de roda e outros elementos da cultura popular e da comunidade local. A inovadora metodologia pedagógica auxilia na aprendizagem integral de seus alunos ao mesmo tempo que amplia sua imaginação, capacidade de interação, despertar de sensibilidade e da prática de valores éticos e sociais.
As cirandas, forma carinhosa e metodológica que a equipe nomeia cada atividade, contam sempre com práticas de linguagem e matemática, abordagens interdisciplinares e experiências práticas e de educação física. Um exemplo é a ciranda da cantiga “Caranguejo não é peixe”, na qual as crianças puderam aprofundar seus conhecimentos sobre um dos principais mariscos coletados na região – o caranguejo – e na importância da preservação de seu habitat, com uma visita prática ao mangue. No mais,as crianças e adolescentes desenvolveram a escrita e a leitura utilizando palavras e rimas da cantiga; utilizaram as cordas de caranguejo vendidas na comunidade como elemento para praticar matemática; e, interagiram com músicas e brincadeiras ativas utilizando a ideia e o conceito do caranguejo.
O Instituto Mãe Lalu é uma organização parceira do Fundo Global para Crianças através da iniciativa Colaboração para Educar Todas as Crianças (CEToC), que apoia organizações comunitárias que estão ajudando crianças e adolescentes a acessar ambientes de aprendizagem lúdica e alcançar uma educação integral de qualidade. Assim como outras organizações apoiadas pela iniciativa CEToC, o Instituto Mãe Lalu utiliza o brincar como elemento principal de aprendizagem, atuando a partir da ótica transversal da valorização do território, resgate da cultura popular, decolonização do pensamento e a luta contra o racismo e outras formas de preconceitos.
O Instituto continuará trabalhando para ampliar suas capacidades como organização e garantir o desenvolvimento e acompanhamento integral de suas crianças e adolescentes, utilizando a educação como ferramenta de transformação social e como forma da população de Santiago de Iguape e entorno conhecer e reivindicar seus direitos.
Foto principal: Ciranda durante evento Ciranda Literarte do Instituto Mãe Lalu. © Instituto Mãe Lalu
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