Justiça de gênero
Justiça de gênero, Segurança e bem-estar, Poder da juventude
Longas ruas com o deserto ao fundo. Horizontalidade perpétua. Poeira e asfalto que se estendem por dezenas, centenas de quilômetros.
Cidade da violência, cidade do medo, cidade do deserto, cidade da morte, cidade do salve-se, cidade dos paus na garganta. Cidade que te devora, cidade cheia de túmulos, cidade zero.
Esta é Juárez, infelizmente famosa por duas coisas: por abrigar um dos cartéis de drogas mais poderosos da atualidade e pelo desaparecimento e assassinato sistemático de milhares de mulheres.
Desde 1990, estima-se que mais de 1.500 mulheres foram brutalmente assassinadas nesta cidade, uma das mais perigosas do mundo.
Eles são chamados As Muertas—os Mortos—de Juárez. Não os assassinados, não os estuprados, não os desaparecidos, não os esquartejados. Os Mortos. Como se essas mortes fossem parte de um processo natural. Como se não houvesse ninguém responsável pelos crimes.
Como se não valesse a pena perguntar: por que?
Como explicar o incompreensível? Como entender o horror? Como dar sentido ao desumano?
Não posso.
Não sei explicar. É tudo o que sei:
Neste mundo, nascer mulher significa viver em perigo de morte. É um risco constante, sutil e diário. É a familiaridade do medo.
Os assassinos são todos aqueles homens que acham que uma mulher pode — e deve — ser sua propriedade. Aqueles que começam perguntando: o que ela estava vestindo?
Aqueles que sempre colocam um “mas” depois de qualquer afirmação feminista.
Eles os mataram porque tinham que acordar às 4 da manhã para trabalhar no maquiladoras. Eles os mataram porque no final do turno, às 21h, eles ainda tinham que pegar o ônibus e caminhar duas horas no escuro para chegar em casa.
Eles foram mortos porque não podiam ter uma vida digna... ou uma morte digna.
Mataram-nos porque os pobres são muitos. Ninguém procura os pobres. E ninguém sente falta dos pobres.
Mataram-nas porque estas meninas trabalhavam desde os 12 anos. Porque cuidavam das irmãs desde os 10 anos. Mataram-nas porque já não brincavam.
Elas foram mortas porque acreditaram, porque confiaram. Foram mortas por rir, por se aproximar, por pedir informações. Por não saberem que eram mulheres em um mundo que as mata, que as estupra, que as faz desaparecer.
Eles foram mortos por crescerem antes do tempo.
Eles foram mortos por viverem na fronteira. No limbo. Por não terem direitos. Por serem considerados criminosos.
Eles foram mortos por viverem numa cidade desmembrada. Sem laços. Sem sentido. Uma cidade que nunca existiu.
Eles os mataram por andar, por não se conformar, por sonhar com outra coisa, por transgredir.
Mataram-nos porque ninguém os conhecia. Porque esta cidade os negou, matou e enterrou. E ninguém os reivindicou.
E, ainda assim, a humanidade persiste. Ao buscar novas parcerias para o Fundo Global para a Infância, estas são as organizações corajosas que encontrei:
O Centro de Direitos Humanos Paso del Norte AC. Elas lutam todos os dias para reinventar a dignidade, para resgatar a justiça. Para superar o medo.
Junto com a Rede Familiar de Sobreviventes de Tortura e Desaparecimento, eles buscam (re)construir a memória de Juárez em termos de justiça e comunidade.
Caminhando e aprendendo. Juntos. Para eles, a verdade é um processo político que permite transformar a dor em vida e esperança.
O Mesa de Mulheres de Juárez nasce da raiva e da indignação de mulheres que sabiam que era questão de tempo até se tornarem uma estatística. Elas não queriam se tornar um número. Elas não queriam desaparecer. Elas não queriam ser esquecidas.
Lá vão eles, caminhando, gritando, arriscando suas vidas. Eles nos lembram dos nomes e rostos daqueles que foram levados. Combatendo o apagamento com o renascimento, a violência com a arte, a indiferença com a organização e o trabalho comunitário.
O Instituto Hope Border, localizada em El Paso, Texas, trabalha pela justiça usando a doutrina social da Igreja Católica.
Eles trabalham diretamente com os jovens migrantes para construir esperança. Por meio de pesquisa e advocacy, constroem pontes de entendimento entre diferentes povos, religiões, ideias e grupos. É o princípio da igualdade na diferença. É o poder do encontro.
Responsabilidade e transparência. Respeito pelos direitos humanos. Fim da dissuasão e da deportação em massa de requerentes de asilo. Fim da separação familiar. Cumprimento dos mecanismos do devido processo legal. Estas são algumas das suas reivindicações.
O Centro de Direitos Humanos Integrais em Ação AC. trabalha com o invisível, com aqueles que não são nomeados.
Eles são os migrantes. Eles são as minorias sexuais. Eles são os ninguéns entre os ninguéns. E o Centro os acompanha.
Das comunidades ao nível transnacional. Dinamizando litígios estratégicos que cruzam fronteiras. Trabalhando nos bairros, nas casas, nas comunidades. Defendendo o direito de ser, de existir, de discordar.
É difícil manter a esperança nesta cidade-cemitério. Essas organizações não apenas a mantêm. Elas a constroem e (re)inventam todos os dias.
E depois há as meninas, mostrando o caminho.
Uma menina, inspirando seus pais, avós, irmãs, filhas, vizinhas, amigas. Doando. Protegendo. Cuidando.
Brincando de resistência. Defendendo a alegria. Gritando. Organizando. Reivindicando direitos. Recusando-se a esquecer. Pedindo por que?
Semeando esperança neste deserto.