Educação, Justiça de gênero, Segurança e bem-estar, Poder da juventude

“Quero estudar para ser um homem melhor” – A história de Benjamin


Por Rodrigo Barraza García

Nota do editor: Esta história foi coescrita por Benjamin e Rodrigo Barraza, Oficial de Programa do GFC. Também está disponível em espanhol.

Meu nome é Benjamin. Tenho 17 anos. Moro em uma cidade muito famosa, uma cidade grande. Toda vez que conto às pessoas onde moro, elas respondem da mesma forma: Uau, isso é incrível. Eu queria poder morar lá também!

Tenha cuidado com o que você deseja, é tudo o que consigo pensar naquele momento.

O lugar onde moro se chama Cancún, Quintana Roo. Fica no sul do México e tem praias lindas, lojas ótimas para comprar roupas caras, restaurantes para saborear comidas incríveis do mundo todo, casas noturnas modernas para dançar até o sol nascer... se você tiver dinheiro, é claro.

[image_caption caption=”Benjamin em sua casa em Cancún, Quintana Roo, México.” float=”alignright”]

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Porque, para mim, Cancún são dois mundos diferentes e separados. Um é a Cancún para turistas, cheia de luxo, risadas, alegria, família, diversão. Um mundo perfeito. Uma fantasia.

A outra é a verdadeira Cancún, a cidade que sustenta essa fantasia. Cheia de gente de lugares pobres que vem arrumar camas, limpar quartos, cozinhar, vender souvenirs. Para se tornar empregada doméstica. Gente que está sempre muito cansada e triste. Gente que ganha quase nada e vive numa Cancún cheia de violência, pobreza e desigualdade.

Essa é a Cancún que eu conheço. A Cancún em que vivo e na qual aprendi a sobreviver.

A violência da cidade se reflete em todos os lugares. Até na minha própria casa. Com a minha própria família. Meu pai batia na minha mãe. E não parava por aí. Também havia gritos, ameaças, humilhações. Eu tinha medo o tempo todo. Da cidade. E do meu pai.

Lembro-me de ver tudo isso, mas ao mesmo tempo sentir que não era eu quem estava ali. Para mim, era como assistir a um programa de televisão. Eu não sabia o que fazer, o que sentir. Achava que era normal, que estava tudo bem porque meu pai era o chefe da família.

E assim, me acostumei à violência. A violência se tornou minha própria linguagem.

Não tínhamos dinheiro. Uma das minhas piores lembranças de quando eu era mais jovem é quando minha família e eu fomos informados de que tínhamos que sair de casa e fomos morar com meus tios.Sinto que naquele momento deixei de ser criança, porque quando você sai da casa onde cresceu, deixa muito do que você é para trás. Você nunca mais será o mesmo. É como se você deixasse um pedaço do seu coração.

Meu pai nunca falava comigo. Era difícil para mim saber como ele se sentia. Eu queria perguntar por que ele estava sempre tão bravo, dizer que podia confiar em mim. Mas nunca ousei.

Quando comecei o ensino médio, meu pai e eu começamos a discutir muito. Ele me dizia que eu não podia continuar estudando, que a educação era inútil, que o que eu tinha que fazer era trabalhar para ajudar nas despesas da família. “Trabalhar é ser homem, estudar é perda de tempo”, ele me disse.

Eu estava com tanta raiva, tão impotente... porque não concordava com ele. Eu queria trabalhar e sustentar minha família, mas não queria parar de estudar. Agora que penso nisso, e embora nunca tenha conseguido explicar isso ao meu pai, eu queria estudar por dois motivos:

Para sustentar minha família, mas realmente apoiá-los, não apenas com migalhas, mas tendo uma profissão, para que não apenas sobrevivêssemos ou nos mudássemos de casa em casa, mas trabalhássemos por um futuro melhor. É isso! Eu queria estudar para que minha família e eu tivéssemos direito a um futuro.

E eu também queria estudar por mim mesma, para me tornar uma boa pessoa. Para poder contribuir, mesmo que um pouco, para mudar todas as injustiças que vejo todos os dias ao meu redor. Para que não exista um mundo ideal para alguns e um mundo real e violento para o resto de nós. Para que todos possamos ter o nosso mundo perfeito.

Eu amo estudar tanto – aprender coisas novas – que para mim, uma vida sem educação não é vida de verdade.. Então, quando meu pai me disse que eu não podia mais ir à escola, fiquei muito desesperada. Senti que não havia razão para viver. E decidi cometer suicídio.

Felizmente, minha mãe estava por perto e me salvou. Ela chegou bem na hora... Eu já estava colocando uma corda no pescoço.

Eu a vi chorar como nunca antes, nem mesmo quando meu pai batia nela. E percebi que estava sendo covarde e que não era justo causar-lhe tanta dor só porque eu tinha medo de viver. Ela sempre esteve lá por mim, então decidi ficar aqui e lutar, me esforçar para ser melhor e cuidar dela todos os dias. Essa foi a promessa que fiz a ela. E essa promessa me faz seguir em frente.

Desde aquele dia em que tomei a decisão de viver, de lutar, de me amar, tudo melhorou.

Um mês depois daquele episódio, conheci a organização Centro Integral de Atenção às Mulheres (CIAM). Soube que eles estavam oferecendo bolsas de estudo para estudantes de baixa renda e decidi me candidatar. Um dos dias mais felizes da minha vida foi quando me disseram que eu tinha sido aceita, que eu poderia continuar meu sonho.

[image_caption caption=”Benjamin no CIAM no início deste verão, participando de um programa chamado Juventude em Ação.” float=””]

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Aos poucos, comecei a me envolver com as atividades da organização, especialmente em um programa chamado Juventude em Ação. Lá, aprendi muito sobre sexualidade responsável e masculinidades saudáveis. Aprendi a conhecer e respeitar meu corpo, e a respeitar o corpo e a orientação sexual dos outros.

No passado eu era muito machista – era normal para mim, porque eu tinha que conviver com isso todos os dias dentro de casa. Com o CIAM, aprendi que não precisa ser assim, que homens e mulheres são iguais, e aprendi a admirar a luta das mulheres para reivindicar seus direitos. Aprendi que só porque você lida com a violência todos os dias não significa que você precisa reproduzi-la. Que, pelo contrário, todos nós temos a responsabilidade de acabar com esse ciclo e construir práticas mais saudáveis entre homens e mulheres. Que nós somos a cidade e temos o poder de mudá-la. E eu não tenho mais medo..

Pela primeira vez na vida, me sinto ouvida e compreendida. E comecei a me expressar cada vez mais. O CIAM me ajudou a construir a melhor versão de mim mesma.

Para alguns, a vida é mais fácil. Para outros, é uma luta constante. E você não pode escolher a vida que recebe, mas pode construir a vida que deseja ter. E graças ao CIAM, sinto que estou nesse caminho.

Para outros jovens como eu, digo que temos o poder de mudar nossas vidas e nossa comunidade. Vocês não precisam ter medo de se expressar, de ser livres, de ter uma opinião. Sintam orgulho de quem vocês são. É assim que se muda o mundo.

Quero ser contador um dia e mudar meu bairro e minha cidade para que os jovens possam viver felizes, seguros, com alegria e liberdade. Quero ajudar as pessoas a terem mais opções do que eu tive.

E você? Já pensou no que quer ser? Como quer melhorar sua vida e a da sua comunidade?

 


O Centro Integral de Atenção às Mulheres (CIAM) foi fundado por Lydia Cacho, jornalista de renome nacional, em 2001. Nascida na Cidade do México, Cacho tornou-se famosa por desmantelar uma rede de traficantes de crianças que ocupavam cargos no governo mexicano e por seu trabalho em defesa dos direitos humanos das mulheres em Quintana Roo. Após sua fundação, o CIAM serviu como abrigo para vítimas de violência, tráfico e violência de gênero por dez anos, antes de mudar sua missão para se concentrar na educação para a paz e na prevenção da violência. O legado do trabalho do abrigo levou o CIAM a estreitar seus laços com a comunidade e a obter maior conhecimento sobre a dinâmica da comunidade e as tendências da violência contra mulheres e crianças no estado.

O centro de educação para a paz do CIAM concentra-se na prevenção da violência de gênero e na mudança de atitudes de gênero para beneficiar não apenas mulheres e crianças, mas também homens. O CIAM prioriza a conscientização de crianças e jovens, com base na crença de que a violência só pode ser reduzida se as novas gerações estiverem cientes de seus efeitos adversos.

Foto do cabeçalho: Um mural feito pela equipe do CIAM. 

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